SERENIDADE E INQUIETAÇÃO, 2004, Lisboa, Galeria Bozart

Vejo a Marta pintar há quase trinta anos.

O que começou por ser a expressão de uma curiosidade e de um talento, foi-se tornando, com o passar dos anos uma fatalidade. Uma forma silenciosa e discreta de nos transmitir a sua extraordinária paixão pela vida.

A serenidade das suas paisagens, que cria com pedacinhos de sonhos de uma infância que se adivinha feliz, sempre com o mar da sua ilha no horizonte, não ilude uma leve inquietação existencial que só a pintura lhe permite, ao mesmo tempo, esconder e revelar.

‘’Serenidade e inquietação’’ é, para mim, o tema desta sua primeira exposição individual.

LA

"DE SONS E AROMAS...", 2005, Funchal, Sala de exposições da SRTCNão se percorre à toa um jardim. E, quando esse jardim é o quintal da infância revisitado, provoca no olhar adulto vibrações de estranha sensualidade e de fértil inquietação.

Assim, as plantas, flores que desabrocham e se desprendem num processo demorado de expansão, oscilam no espaço por um delicado movimento que não é o do vento, mas o da gestação da beleza. Este mistério evoca-o Marta nos seus quadros.

Desde a singular vista do terreiro, aos galopes do sonho no terraço, ao pôr do sol; desde o eflúvio dos martírios que são as flores do maracujá, aos brincos que enfeitam as princesas e acordam histórias de amores, culminando nos voos aliciantes das saudades e no êxtase das plenitudes, são fascínios que Marta transporta nestas telas, tudo com seu próprio som e aroma. Que o aroma é música e a cor é também som.

O éden da infância tem ao mesmo tempo um poder tranquilizante que sobressai em fundos de luminosas tonalidades e um condão provocador de secretas euforias e estímulos felizes, que se manifestam na sinuosidade sensual das formas.

O toque do surreal é evidente consequência do que é sonhado.

Daí o subtil desassossego desta pintura, com laivos discretos de algum erotismo.

Irene Lucília Andrade

"NOTAS DE SILÊNCIO", 2009, Funchal, Salão Nobre do Teatro Municipal Este texto nasceu num recanto de um jardim tradicional, entre cheiros de frutas e flores, a espreitar o mar em fundo e a desdobrar-se em manchas de cor.

As flores e os frutos transporta-os Marta de longe. Arranca-os às memórias da infância e deleita-se a abri-los na profusão das cores e dos perfumes.

Tem sido um longo exercício que faz aplicadamente.

Estou perante as telas, no atelier, adjacente ao jardim tradicional e tento escutar estas «notas de silêncio» penduradas nos quadros. Aqui sou a observadora comum sem instrumentos científicos ou juízos técnicos valorativos. Só o gosto me conduz e a tentativa de descobrir o que se esconde por detrás da mão que recortou as figuras e amaciou as cores.

Nestes trabalhos, agora expostos — mundo de recordações, recortes de vida, impressões de multi-vivências, universo sensual e simbólico – Marta de Castro esconde-se. Jogo com o observador mais perspicaz na tentativa de o levar à descoberta. É uma espécie de jogo das escondidas, onde se guarda, sempre, o olhar, a expressão, o corpo inteiro. 

São só indícios os que nos espreitam: mãos, pés, nucas, dorsos... tudo isto a insinuar-se por entre panejamentos que esconde, timidamente, parte (ou partes) de um todo.

Percurso de vida feito entre o onírico e o real, necessidade de dizer-se ilha na transfiguração do quotidiano, tímidas incursões de erotismo no tactear dos corpos, tudo isto é envolto em cortinas de cor.

Se estiver atento e fruir, como nós, a leitura dos quadros aqui expostos descobrirá, seguramente, o Mundo de Marta.

Maria Aurora

"MELODIAS DA ALMA"

Out. 2010, Lisboa, Galeria Bozart 

Nov. 2010, Roma, Galeria do Instituto Português de Santo António

O sonho é Maiúsculo, Real, a Luz  transparente, as Sombras cúmplices de contrastes sem nomes nem dúvidas...

Ilhas, sem correntes, salgadas gotas de infância, nus, corpos velados de mulheres –meninas de sol...

Verdade que voa, que dança, que escorre: frutos que se abrem – e sabem – um reino de flores...

Começou a pintar aos 15 anos. E nunca mais parou. Todos os dias. Encarnando as personagens, -a meditar, dentro do(s) ambiente(s) a criar-. Quadros com cAlma, minuciosamente cifrada em cada centímetro de tela...

Surrealista? Simbolista? Romântica? Absurdos  Dali (e também daqui e de acolá), pinceladas de Magritte de se lhe tirar o chapéu...e a tentação de quaisquer rótulos – e a sua negaçâo!

Marta de Castro é ela própria,  sempre ela mesma (precisamente, quando dá forma aos sonhos de todos nós...).

E pinta de cor, como a música que habita – e embala – a Saudade do que não expomos...

- A duas dimensões - :nus/silêncios  que, tantas vezes, não ousamos...

                                                                                                                    Maria de Bragança

 

"SONS DO INTERIOR",
 
Novembro de 2014, Palacete dos Viscondes de Balsemão, Porto
 
 
Nesta viagem pela Interioridade
Onde estão, sempre presentes, os sons da terra nos campos
A música do mar na rocha escura e pesada
O cantar deslizante da água nas Levadas
O estrondo, no chão lajeado, dos frutos maduros
O chilrear, compassado e ardente, dos pássaros nos ninhos
Os odores das flores emergindo da terra negra dos quintais
O sapateado das gotas da chuva nos tapa-sóis
A leve brisa estendida numa noite de luar
E... as cores dos afectos nas infindáveis noites outonais
 
Explode, em mim, a música crepuscular!
Corpos condoídos saltam contorcendo-se
Em manobras, amarras e desforras
Nesta Alegoria à Música
E... Cantata à Vida.

"PEDAÇOS AO ACASO"

Jan 2015, Lisboa - Camões I.P.

Pedaços ao acaso

De aqui e acolá

De ilhas distantes 

Que esvaziam passados

E preenchem futuros

 

Pedaços de risos e lágrimas

De fantasias e absurdos

Nos horizontes de vida 

E profundezas da alma

 

Melodias ao acaso

Com pedaços de sol, sal e suor

Nos gemidos de violinos

E tom no viver de quotidianos

 

VISÕES DE MIM

Março de 2015, Câmara Municipal da Cultura de Coimbra

O milagre da Rainha Santa foi transformar o pão em rosas. Isto é:
a Santa transformou a matéria, passando-a de trigo e talvez
fermento a flores e quem sabe se a espinhos. O milagre pintura de
Marta de Castro é transformar a matéria.
 
Há milagres que deixam a matéria sossegada. Quando Cristo
expulsava demónios, é concebível que os corpos limpos não mudassem.
A Rainha Santa precisava de transformar a matéria. Ora
a Rainha Santa é coimbrã. Marta de Castro é coimbrã também
pois aqui adquiriu a sua vivência químico-farmacêutica e a sua
pintura é uma arte de transformar e reincarnar a matéria. Fascinante
homologia: Coimbra deu a santidade à Raínha, a farmacopeia
conimbricense deu a Marta de Castro conhecimento íntimo
da matéria que é a infra estrutura da sua pintura – a infra estrutura
e a pinça que agarrará o espetador pela cerviz para não mais
o largar.
 
Não se prepare o visitante para uma arte científica, como as dos
pointillistes, dos construtivistas ou de Piet Mondrian. É verdade
que verá uma pintura rigorosa, obsessivamente minuciosa, colorida
e formada a mais não poder, como a de Van Eyck, tecnicamente
mágica, com um domínio das cores e da velatura que
colam o espetador frente a cada quadro. A pintura panteísta de
Marta de Castro é vigorosa, álacre, iluminada e iluminante: a sua
arquitetura à Rubens e a sua luz à Tiepolo obrigam a natureza a
renascer e, agarrando o espetador manda-o renascer com ela.
Nesse sentido é uma pintura religiosa – talvez de uma religião
fora do comum, como fora do comum era a religião.
 
Isabel de Aragão é uma Santa para todos, para os católicos e os
laicos, para os homens e as mulheres, para os pobres e os ricos.
Marta de Castro é uma pintora para todos: o seu hiper-realismo
obsessivo, a lembrar um Hopper que tivesse saído da cidade e ido
para o campo, o seu resumo vigoroso da história da pintura
universal fascinam o inteletual e o homem do povo – ao passo
que o trompe l’oeil de bordados da Madeira vitrifica a dona de
casa ou a criança que há em todos nós.
 
Em Marta de Castro, a técnica é a serva de uma antropologia
visceral em que a dor, o temor, o tremor e o renascer estão tão
bem em Coimbra como em Kiev ou em Nova Iorque. A técnica
pictórica de Marta de Castro é o humano.
 
Luís Salgado de Matos

Voo na memória

Tropismos

É o longo olhar da Mãe-Terra em direção ao Pai-Sol que faz a energia fluir. fluir...

As plantas emergem. as flores em cores aparecem. os frutos incham em sabores apetecíveis e as sementes esvoaçam e tombam aos socalcos. sobre montes e vales. em mantos de retalhos!

É a dança da vida ao sabor de melodias ao vento. em solstícios de sons quentes ou equinócios de tons com sussurro a tempestade.

É o renascer. o reflorescer e morrer… sempre na cumplicidade do mar!

E assim. a Vida desponta subrepticiamente. quase em segredo. ou abruptamente noutros seres que se alimentam em cadeia…

vive-se. sobrevive-se e tudo regressa ao princípio.

A energia flui e o tempo passa a sorrir em eco nas metáforas do viver como se não houvesse mais nada... e as virtudes e os afectos serão surrealistas? Às voltas com as cores deste pincel. a ternura e o carinho instalaram-se também aqui e marcaram presença na musicalidade do gesto.

O amanhã é hoje!

 

Contactos

Marta de Castro martadecastr@hotmail.com